Olá :)
O texto de hoje é um daqueles que ficou marinando por algumas semanas. À princípio, as razões eram uma rotina corrida, dificuldade em enfrentar os assuntos do texto, entre outras coisas.
Com o passar do tempo, mas principalmente, depois das enchentes e da destruição no Rio Grande do Sul (que ainda estão acontecendo), não senti vontade de expor muito do que acontecia na minha vida. Acolhi minha vontade de silenciar e foram semanas importantes de observação e reflexão.
Estar experienciando uma gestação neste atual momento, leva meu pensamento diretamente para aquelas numa situação semelhante à minha. Quantas outras mulheres gestantes estão vivendo essa catástrofe no Sul do nosso Brasil? O que estão vendo, sentindo? Como estão cuidando de si e de um bebê que cresce em seu ventre? Não consigo sequer imaginar tamanha aflição, medo, dor que elas estejam passando. Desejo que o sol brilhe o mais rápido possível e que junto com ele, o céu azul traga esperança de tempos melhores.
💙
Deixo vocês agora com uma edição sobre o meu gestar.
Boa leitura!
Para você, minha filha.
Já faz um mês e meio que descobrimos que você será uma menina, minha querida. Você cresce bem e saudável em meu ventre e se faz presente sempre que necessário. À princípio, é menos enérgica na minha barriga que o seu irmão. Ou talvez seja eu que esteja menos atenta aos seus movimentos por conta da agitação e rotina aqui do lado de fora.
Os acontecimentos no parto do seu irmão ainda mexem comigo, mesmo depois do tanto que vivemos nos últimos dois anos e meio. Quero que, com você, seja diferente: menos doloroso, mais íntimo, menos invasivo. Sei que meu padrão de parto já está alto, afinal tudo correu bem: estava consciente no momento do nascimento, tinha forças para segurar um recém-nascido nos braços, seu irmão estava bem e saudável, a placenta nasceu perfeita. Enfim, tudo o que se espera de um parto natural sem complicações aconteceu. A única grande dificuldade para mim foi a duração do parto: foram dez horas intensas com contrações a cada minuto. Doeu demais e hoje, percebo que não estava ajudando o seu irmão naquele momento. Minha mente tentava controlar a situação, impedindo que meu corpo fizesse o que naturalmente sabe fazer. E é pensando nisso que desejo outra experiência com você, minha filha.
Mas ainda sinto medo. Medo de não conseguir desligar a mente e me concentrar nos sinais do meu corpo. Medo das dores, de não conseguir acolhê-las e recebê-las como preciso. Tenho medo de não conseguir aceitar a anatomia do corpo e ao sentir a necessidade de evacuar durante uma contração, contrair instintivamente o músculo do ânus, controlando a situação.
Quero e, lá no fundo sei, que você irá nascer da melhor maneira e que terá sido a experiência necessária para nós duas. Ainda assim, tenho medo.
Desejo permanecer em mim, deixar meu corpo guiar, ou melhor, deixar você, minha menina, guiar meus movimentos. Almejo realmente compreender que somos um time, trabalhando juntas. Criarei ali o nosso maior laço e serei a primeira a aplaudir a sua primeira grande conquista: seu nascimento. Eu serei atriz coadjuvante nessa peça e deixarei a luz central no palco para você.
A gestação de um bebê é também a gestação de uma mãe.
A natureza é sábia: o tempo é ingrediente essencial para o desenvolvimento. Nada nasce pronto, tudo começa com a semente.
A semente dessa gravidez foi o parto do meu penúltimo texto dessa newsletter. Refletir, escrever e dar à luz o fruto das experiências vividas no nascimento do meu primeiro filho foi o que me permitiu dar, realmente, início a essa nova gestação. Foi como se, do fruto (relato de parto) tivessem caído sementes no meu solo fértil (gravidez atual). Agora, essas sementes se desenvolvem aqui e eu me reconheço em gestação.
Apenas após ter compartilhado com o mundo o que vivi, comecei a sentir a presença deste ser que cresce em mim. Finalmente assumi ser morada de novo e entrei de corpo e alma nesse processo repleto de altos e baixos. Tenho, porém, aprendido a acolher os sentimentos que aparecem: felicidade, medo, ansiedade, gratidão, incerteza, excitação, impaciência, amor. Eles vêm como uma longa e intensa montanha-russa que, gradativamente, aumenta sua velocidade.
Aos poucos, a barriga vai se mostrando através das roupas e é nítido, também para desconhecidos, que não ganhei apenas uns poucos quilos, mas que a chegada de mais uma integrante da minha família se aproxima. Em três meses, poderemos já estar segurando um recém-nascido nos braços. Não há como evitar conjecturar sobre como será o nascimento de minha filha. Será que vai ser rápido como todos dizem que é pela segunda vez? Será que ela vai encaixar e o cólo do útero dilatar todos os dez centímetros como esperado? Será que conseguirei relaxar? Como vou lidar com a dor física, com os medos e o turbilhão de emoções que surgirão naquele momento? O que fazer com a minha personalidade forte e de liderança que me é tão útil em tantos momentos, mas que neste, em específico, poderá atrapalhar mais do que ajudar?
Na primeira gravidez, fiz um curso chamado hypnobirthing (parto hipnótico, em português), que é um conceito de parto positivo que foca numa preparação mental para o parto, utilizando técnicas de auto-hipnose, respiração, afirmação e meditação. Descobri que no Brasil, o aplicativo GentleBirth segue esse mesmo conceito de parto positivo e por meio dele, é possível desenvolver e aprender a técnica. Enfim, a proposta era (e ainda é!) totalmente convincente para mim. Resolvi então voltar a pesquisar quem poderia me auxiliar no aprendizado e prática dessa técnica de hipnose preparatória para parto. Li bastante sobre o conceito dessa ferramenta e mencionei o tema em conversas com amigos, família, profissionais de medicina alternativa. Até consultei uma das parteiras que está acompanhando minha gravidez sobre possíveis alternativas para me preparar para o que está por vir. Busquei fazer o que está ao meu alcance, colocando-me à procura de algo que me ajude a soltar o controle durante o trabalho de parto. Procuro uma estratégia para criar uma união entre minha mente e meu corpo nesse evento tão único e especial. Porém, a minha grande questão é: estar em transe hipnótico me ajudará mesmo a soltar as rédeas? Será essa a técnica ideal para estabelecer uma conexão completa comigo mesma e com o bebê, deixando de lado o que acontece no mundo externo e, então, me permitindo um parto menos doloroso e mais rápido como prometem os especialistas em hypnobirthing?
Não sei. Ainda não estou confiante de que seja esse o meu caminho. Já me conheço em um estado meditativo e, sei que, por mais entregue que eu esteja, ainda sim, estou em alerta. Talvez um guru de meditação leia isso e pense: “ah, mas então você nunca conseguiu realmente meditar!”. Pode ser…mas essa é a minha experiência. Preciso acolher o que há em mim, enxergar meus pontos fortes e integrá-los durante o trabalho de parto. Reconheço que, em situações de alto estresse, me torno ainda mais comunicativa e sensível aos estímulos do ambiente ao meu redor. Como usar, portanto, o meu dom da comunicação para transmitir minhas sensações àqueles no meu entorno, incapazes de sentir o que sinto dentro de mim?
Ainda não sei. Me encontro em gestação e estou ciente da necessidade e do propósito de um desenvolvimento natural para que eu me torne a mãe que nossa filha precisa. Assim, aprendo a dar tempo ao tempo e sigo cuidando da plantinha que habita em mim.
“Peço-te o prazer legítimo / E o movimento preciso […] / Quando o tempo for propício” - Caetano Veloso - Oração ao Tempo
Quando o tempo for propício, o movimento será preciso e sentirei o prazer legítimo de, finalmente, segurar nossa menina em meu colo e abraçá-la forte, independentemente do que trouxer o caminho que culminará nesse momento de puro êxtase e infinita gratidão.
Leituras que me deixaram mais perto do RS nas últimas semanas…
E muitas outras mais…
Nos vemos em breve, talvez na próxima lua nova ou minguante, ou cheia ou crescente.
Até,
Daniela
Que texto lindo, lindo, lindo. Me tocou muito. Quero ser mãe e fiquei imaginando esse turbilhão de sensações - emocionais e físicas - e esse milagre todo. Obrigada! <3 Que seja uma gestação muito boa e tranquila.
Dani, que relato sensível e belíssimo. Ainda não fiz do meu ventre morada para outra pessoa, mas penso que, aos filhos, não há nada mais importante que sentir esse amor e acolhimento desde os primeiros instantes. E muito obrigada por compartilhar minha news, foi como um abraço amigo no meio de todo o caos. Um beijo!